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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A Certeza e a Segurança da Incolumidade Pública


Há alguns dias escrevi um texto sobre os ataques criminosos contra policiais e acredito que ficou faltando algo; apresentei um problema, mas não apresentei soluções, que felizmente existem e na minha vida profissional jamais levei um problema a um superior sem ao menos uma resposta possível de ser aplicada; por isso decidi escrever sobre as possíveis soluções para o caso PCC, no entanto, ao começar a trabalhar o texto, percebi que faltaria outro texto que ligasse os dois, o que resultou no presente artigo, que não chega a ser uma segunda parte, é mais uma digressão que mostra uma face do que está acontecendo e que não está presente nos dois textos, mas serve de elo entre eles. Explicado isto, começo o desenvolvimento do assunto expressado no título.

Lembro uma vez de ler em um artigo sobre a Certeza e a Segurança Jurídica; em resumo, um cidadão brasileiro diante uma fato que o atingiu e que vai ser resolvido pela Justiça, tem a certeza que a Lei não vai mudar justamente para o caso dele, como também tem a segurança que a decisão da Justiça não será alterada para prejudicar aquilo que foi julgado a não ser, o que também é garantido por lei, que beneficie a pessoa. Creio que os juristas fiquem horrorizados com esta minha explicação simples sobre duas coisas sagradas no Direito, mas realmente eu preciso apenas desta muito simples explicação para fazer uma analogia com o que está acontecendo na cidade de
São Paulo.

Em qualquer país civilizado, o cidadão comum vive sob a certeza que o Estado está vinte e quatro horas e sete dias da semana trabalhando para garantir a segurança da população e no caso de um crime, trabalhando para a responsabilização do culpado que assim declarado em um processo legal, que permita ampla defesa e um tribunal imparcial, recebe a justa pena, seja uma multa seja a restrição de liberdade ou as duas medidas, cuidando para que fique afastado da sociedade, à qual ofendeu, pelo tempo que a lei determinar.

Esta certeza gera uma segurança no cidadão comum: a de que a sua vida e a de seus familiares, bem como seus bens estão sob uma segurança tal, que não é necessário que o cidadão comum tenha que se armar ou organizar grupos para se defenderem de ataques; a segurança também lhe garante que sua vida será rotineiramente protegida, isto é, o seu acesso à saúde, transporte, trabalho, estudo e lazer não sofrerá mudanças drásticas de hora em hora ou de dia em dia e isto permite que possa planejar sua vida sem maiores preocupações; seu filho estará seguro na escola assim também a esposa esteja ela em casa, no trabalho ou simplesmente no mercado.

Este estado de paz e tranqüilidade é o que chamo de Certeza e Segurança da Incolumidade Pública. É a confiança que o Estado está cuidando de você e é capaz de manter isto indefinidamente.

Sem dúvida, tanto a Certeza quanto a Segurança da Incolumidade permite que uma sociedade viva e se desenvolva em relativa paz. Na pacífica Oslo, Noruega, houve um ataque praticado por um homem que matou cerca de 92 pessoas em um massacre de motivação política; ora, as pessoas naquele país não viviam e não vivem como se tal ataque fosse acontecer a cada período determinado, foi algo de extraordinário, destas coisas que são um pesadelo para um governo e para a polícia local. Hoje em dia deve
haver lembranças e traumas, mas acredito que depois de tudo, os cidadãos continuem vivendo na confiança de estar em uma sociedade segura, que conta com um sistema policial confiável e com um poder judiciário capaz de tomar decisões a favor da sociedade.

A Segurança e a Ordem Pública é um dever do Estado, como preconiza a Constituição Federal (CF/88), bem como é uma responsabilidade de todos. Contudo, dentro de um Estado, tem funções exercidas por pessoas concursadas que são exclusivamente relacionadas com a área da Segurança Pública, definidas em áreas de atuação. O médico e o gari, no exercício de suas funções públicas, não tem como objetivo o combate ao crime, ao contrário, o médico tem o dever de atender um criminoso baleado em um
confronto com a polícia e o gari tem que manter limpa a rua onde mora um traficante ou outro tipo de criminoso; mas caso eles venham a saber do criminoso, devem informar as autoridades policiais ou seus agentes, podem até prender em flagrante delito, mas não é um dever deles, são pagos, respectivamente, para examinar as pessoas e manter as ruas de São Paulo limpas.

Para o combate ao crime o Brasil conta com um intricado sistema de serviço policial e um sistema judiciário que trabalha com um processo antigo.

Pois bem, é este serviço policial junto com o poder judiciário, os responsáveis por manter a “... ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio”, conforme a CF/88 em seu artigo 144. Apesar de eu mencionar o Poder Judiciário como co-responsável pela Segurança Pública, ele é tratado em outra parte da CF/88, distinta da Segurança Pública. A Justiça no Brasil trata dos assuntos comerciais, civis e criminais, entre outros, e é por este laço, de julgar criminosos, que a associo com a Segurança Pública. O Poder Judiciário geralmente é criticado pelo fato do preso sair facilmente da prisão ou então de nem chegar a ela, mas isto é uma visão errada, o Judiciário segue a lei e a lei não é elaborada por esse Poder, é elaborada pelo Legislativo, formado por
pessoas eleitas pelo povo, para criar leis entre outros deveres; desta maneira, o Judiciário toma decisões com base nas leis existentes; o que acontece neste poder é a possível existência de corrupção, sentenças mais brandas e a criação de jurisprudência, aí sim, um tipo de lei que pode facilitar a vida de um criminoso.

Antes mesmo dos assassinatos dos policiais, a cidade de São Paulo já demonstrava fraqueza na sensação de segurança, tanto que um motorista, conforme a região que está na cidade e isto não exclui a região central, no período próximo entre meia noite e próximo às quatro horas da manhã, prefere tomar uma multa por infringir um sinal vermelho a ficar com o carro parado esperando o sinal verde; nem é necessário esperar meia noite, basta estar escuro para que haja o medo, mas não é só isto; tem áreas na cidade que o cidadão evita passar seja qual for a hora do dia; outro exemplo é a crença
comum e de certa forma real, que adolescentes infratores, um eufemismo legal para criminosos, contam com um sistema que simplesmente não deixa que eles fiquem muito tempo internados, outro eufemismo legal que é usado para prisão. Tem um caso registrado no Youtube onde um delegado expressa sua revolta pela apreensão de menores infratores que foram liberados em um curto intervalo de tempo, este vídeo gerou até uma resposta da juíza responsável explicando a dificuldade de se apreender um menor infrator (os links para estes vídeos estão no final do texto, mas não temos garantia de que não sejam retirados da internet) um grupo de adolescentes e mesmo de crianças, hoje em dia, deixa uma pessoa comum desconfortável, dependendo do local, hora e circunstância; adolescentes e crianças não deveriam, em uma sociedade sadia,
provocar medo seja qual fosse o local, a hora e a circunstância.

Desgraçadamente, o assassinato de policiais foi acompanhado por um incremento na violência paulistana com a ocorrência de várias chacinas, alguns ônibus queimados e decretos de toque de recolher em algumas zonas da cidade e embora o PCC seja dado como elo comum entre estas ocorrências, não existem provas concretas de sua responsabilidade. Por enquanto, a população não está sendo diretamente atacada, mas está diretamente atingido quanto à certeza e à segurança que o Estado possa realmente protegê-la e isto é tão pernicioso quanto um ataque direto.

Diante tal situação, o povo paulistano vê estremecer a Certeza e a Segurança de sua incolumidade. A sociedade encontra dúvidas palpáveis que o Estado possa controlar a criminalidade e oferecer Segurança de estar protegido em qualquer atividade que procure estar; o que está ocorrendo é que se o cidadão está estudando, é obrigado a sair mais cedo das aulas devido a um “toque de recolher”; se está perto de um policial, estando este à paisana ou uniformizado, sente que pode ser vítima de uma bala perdida ou entrar nas estatísticas como uma baixa colateral, se está na rua com amigos em uma noite quente, teme ser vítima de uma chacina, por isto, antes mesmo de acabar com o PCC, o Governo deve restaurar a confiança do cidadão, pois o fim do PCC é apenas um dos fatores que estão desestabilizando a eficácia e a eficiência do Governo no trato da Segurança e Ordem Pública.

Caso esta situação se prolongue, haverá um período de rendimento gordo para os donos de empresa de segurança, mas a parte da população que não pode arcar com um sistema de segurança privada, em um primeiro momento, evitará sair nas ruas em determinados horários e para determinados locais, mas é impossível que este recolhimento forçado perdure, as pessoas tem que viver, o que poderá levar a um processo armamentista, legal e ilegal, bem como formação de milícias de bairro, caso a situação venha a piorar.

Quando o governo falha em uma prestação de um serviço, a população ou a parte dela que tem recursos, trata de substituir o serviço público pelo privado.

Tem sido assim com a Saúde e com a Educação e, infelizmente, será assim com a Segurança se as coisas continuarem como estão.

Minha intenção não é ser alarmista e nem querer espalhar o medo; a polícia de São Paulo é considerada uma das melhores do mundo e é capaz de realizar a parte que lhe cabe, mas não sozinha, não em uma missão solitária.

No momento é importante que o cidadão recupere a confiança de poder estar em qualquer lugar e sentir-se seguro em estar ali, bem como acreditar que sua família, onde quer que esteja, também se encontre sob as asas protetoras do Estado.

Nesta situação, o PCC é apenas um item, perigoso é claro, que vem aumentar a incerteza e a insegurança do cidadão quanto à capacidade do Estado em cumprir com o seu dever de manter a segurança e ordem pública

Vídeo1: Delegado revoltado: 


Vídeo2: Juíza responde à declaração de delegado: 

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Artigo Policial: Ataques do PCC


Na capital de São Paulo, entre tantos assuntos que eclodem aqui e ali, acredito que dois estão sobressaindo: o julgamento da Ação Penal 470, conhecido como o julgamento do “mensalão” e as mortes de policiais paulistas. O primeiro pode até passar em branco por muitos cidadãos, mas o segundo é, com certeza, o que chama mais a atenção e não é porque a sociedade sente “um profundo pesar” pelas mortes dos agentes do Estado. Numa sociedade onde chacinas não afetam o dia a dia do brasileiro médio tanto quanto uma final de campeonato, policiais mortos são estatísticas de um embate entre duas organizações. 

Um embate que corre diariamente nas ruas das cidades. Se fossem ataques terroristas como vemos no Oriente Médio, que causam um temor no cidadão comum que a qualquer momento pode ser atingido por um homem bomba, por uma explosão de um carro ou de um artefato deixado em local de movimento, possivelmente levaria a sociedade se mobilizar pedindo ações contra tais ataques. Em São Paulo, capital, o que sentimos das conversas com os amigos, é que se tem medo de um seqüestro relâmpago, do roubo comum, da “saidinha” de banco, mas o cidadão não tem medo de ser envolvido no embate destas duas organizações; é bem possível que tenha medo de andar ao lado de um policial, mas não teme ser assassinado devido ao embate, embora viva sob o medo de “toque de recolher”. É interessante notar que tanto o julgamento da Ação Penal 470 e os recentes assassinatos tenham por vítima o Estado e por objetivo, a conquista do poder e a permanência nele, embora este poder tenha significado diferente nos dois casos mencionados. Como não pretendo escrever sobre política e a ação penal já está indo para o final no Supremo Tribunal Federal, minha atenção se volta para os assassinatos no Estado de São Paulo.

Não temos espaço aqui para se discutir as raízes da organização criminosa suspeita de promover os assassinatos de policiais e nem tampouco há espaço para discutir as questões governamentais que levaram a Segurança Pública ao seu atual momento; estarei aqui com um instantâneo o qual vou procurar escrever de modo isento, isto é, não vou escrever sob a raiva, sentimento de vingança e nem sobre alguma atitude que não seja legal dentro do Direito Brasileiro, incluindo aí os Direitos Humanos e os acordos internacionais contra os quais eu tenho minhas críticas, mas que serão expostas em outra oportunidade; também é importante frisar que não sou ligado a nenhum partido o que não significa que sou alienado da nossa realidade como cidadão brasileiro e particularmente como cidadão paulistano.

Devemos começar compreendendo que a vida social é regida sob um conjunto de leis que teoricamente organiza o modo de vida dos cidadãos, no entanto, temos pessoas que vivem à margem da lei. Há tribos indígenas no Brasil que vivem tranquilamente nas matas regidos por suas próprias leis e organização e nem por isto são considerados criminosos; há exemplos bem mais próximos, como os moradores de rua, que não tem documentos, não são pesquisados sobre em quem votariam, embora entrem como número em outras listas organizacionais, contudo vivem sobrevivendo um dia de cada vez e na busca desta sobrevivência, alguns optam por pequenos delitos; até alguns atrás ainda existia a mendicância como contravenção penal e agora estão à margem da Lei, mas vivendo dentro de algumas “leis” de convivência que nunca foram escritas e muito menos votadas pela sociedade constitucionalmente constituída, de modo geral estas “leis” não ferem o dia a dia da sociedade que margeiam, com exceção é claro, das que ferem o Código Penal.

Em contra ponto aos que vivem como moradores de rua, temos também pessoas que estão dentro da convivência social e observadora das leis constitucionais, contudo, cometem crimes geralmente para manterem seu estilo de vida, como praticar roubo para comprar tênis e roupas de marca ou para manter um vício; este grupo atinge a sociedade transtornando o direito à segurança; geralmente a maior parte de seus amigos nem desconfiam dos crimes que praticam, mas ainda assim sua meta é viver no meio social legalmente constituído, com a exceção do viciado que pela droga, pode ser conduzido a um estado de viver à margem da sociedade.

Agora, temos alguns grupos que se reúnem para cometer crimes, pois vivem exclusivamente da renda de suas ações criminosas ou estas se apresentam como a maior parte de sua renda mensal; convivem com pessoas que sabem que elas são criminosas e muitas vezes estas pessoas também são criminosas as quais se associam para alguns planos criminosos ou formam grupo, bando, para agirem de forma contínua e suas ações se resumem à satisfação deles mesmo, no sustento de suas vidas.

Em um ponto mais extremado, temos as organizações criminosas cujos membros vivem praticamente das ações criminosas ou que, mesmo não praticando crime diretamente, seu trabalho é manter a organização e tem pleno conhecimento que o seu salário é pago com dinheiro direto do crime; podemos citar como exemplo, contadores e advogados que trabalham exclusivamente ou não para tais organizações. O mundo fornece exemplo: a Máfia, a Tríade, a Yakuza e os Cartéis de tráfico de drogas. Estas organizações tem suas próprias leis e não é difícil que operem no mercado “legal” com o uso do dinheiro ilegal. Apesar de seus membros viverem na sociedade e participarem da vida política, sabem que no fundo, suas vidas e suas responsabilidades respondem primeiro às organizações que pertencem.

Paralelo a estes grupos, tem-se que mencionar as organizações terroristas que encontram em ações criminosas, não o fim de seus interesses, mas um instrumento para alcançá-lo e mesmo assim, estas ações criminosas tem seus limites; não é comum o uso de roubos e extorsões quando o grupo terrorista tem um cunho religioso, mas este mesmo grupo pode não ver com maus olhos o tráfico de drogas. Falar de organização terrorista ocuparia uma boa parte deste texto, por isso serei sucinto e pularei uma série de definições para de uma maneira geral, enquadrar estas organizações como corpos que cometem crime com o intento de desestabilizar um governo existente ou simplesmente atingi-lo como demonstração de poder ou como meio dissuasivo ou de persuasão.

É necessário trazer estas definições, ainda que de maneira simples, para compreendermos a ação do Primeiro Comando da Capital (PCC). Seria muito interessante que se conhecesse a gênesis de tal organização, mas isto seria um trabalho à parte. Quero me concentrar na organização e por isto não vou tratar de quem é associado ou outro termo que se use para diferenciar os graus de associação com o PCC.
Comecei escrevendo sob um embate entre duas organizações e vou descrever primeiro a que é legalmente constituída e democraticamente eleita, sendo que suas ações devem, obrigatoriamente, passarem ilesas sob o crivo da Lei, mas não é só isto, enquanto uma pessoa comum pode fazer tudo, menos o que a lei proíbe, o Estado, através dos seus agentes, só podem fazer o que a lei determina, desta maneira, a investigação e a ação policial tem que trabalhar segundo o que a lei preconiza, caso contrário as provas na investigação perdem o valor e a ação policial perderá sua eficácia resultando na libertação do preso e possível indenização posterior; no entanto, a lei que limita as ações do Estado representam uma segurança para o cidadão, garantindo-lhe que não sofrerá abusos por parte dos agentes do Estado; dentro desta compreensão, a organização policial vive totalmente imersa dentro da lei, sabemos que não é isto o que acontece, mas é o que deve acontecer e para análise dos atos do Estado, partimos do pressuposto do que é legal. O Estado é frio quanto a emoções, ele não age sob o espírito da vingança, do ódio ou outro sentimento; sua motivação é sempre a lei e suas ações começam e terminam conforme a lei determina. Podemos compreender que seus agentes, por serem humanos, ajam sob forte emoção e é justamente esta “forte emoção” que pode provocar a nulidade de uma ação em favor do criminoso.

Como organização, o PCC tem uma estrutura que lhe possibilita comunicação, direção, controle, organização e comando de ações que permitem sua existência e perpetuidade, uma vez que demonstra não ter sido fundada para existir por um número determinado de anos. Seus integrantes não se iludem: a vida que levam é totalmente à margem da Lei a qual respeitam desde que não interfira em seus objetivos; é uma entidade que possui leis próprias inclusive com cortes de justiça próprias, pode-se dizer que eles vivem em meio à lei da sociedade constituída como alguém que brinca na água, mas sabe que não sobreviveria embaixo dela. Eles vivem do crime, são profissionais do crime e não é raro que requeiram assim serem reconhecidos.

Nos EUA, temos uma classe de pessoas que no Brasil não existe, não de maneira igual. Estas pessoas, por convicções políticas ou idealistas, rejeitam o governo democraticamente eleito e não quer viver sob sua autoridade; li certa vez que uma pessoa com estas idéias chegou a imprimir seu próprio dinheiro e ficou conhecido um ataque terrorista a um prédio do governo praticado por pessoas com esta filosofia. Não se trata de criminosos, mas de pessoas que não enxergam no governo eleito algo legal que os represente; esta não é uma idéia nova para os norte-americanos, eles tiveram a Guerra da Secessão justamente por não aceitarem o novo governo e suas idéias.

Voltando ao PCC, encontramos uma organização que também não reconhece o governo democraticamente eleito como uma autoridade que regula sua vida, contudo, mesmo não tendo vínculo com este governo, usa do dinheiro e do sistema de corrupção para a organização continuar na ativa; seus membros possivelmente votam, usam o sistema de saúde e educação, mas mesmo assim não tem no governo eleito um poder que os afete na determinação de serem o que são. Não se trata de uma simbiose ou um parasitismo, mas de dois tipos de caçadores usando um mesmo território para viverem e quando tem o encontro com os dois, certamente haverá uma luta, um confronto mais sério, como já ocorreu em São Paulo e que paralisou a cidade.

Neste ataque, vimos o que pode ser chamado de um ato terrorista, pois atingiu cidadãos, e na visão de um terrorista não existe cidadão inocente, e abalou o sistema de segurança pública ao atacar simultaneamente as forças policiais e os cidadãos em uma clara demonstração de poder. A resposta do governo foi mais um contra ataque do que uma ação decisiva; algo como os americanos bombardearem o Japão logo após o ataque a Pearl Harbor, uma maneira de dizer que não ficariam impunes. Este contra ataque das forças policiais não destruiu a estrutura e nem a hierarquia do PCC e ao que parece peões, como sempre peões sacrificáveis em uma partida de xadrez, é que foram tomados.

De novo temos uma nova onda de ataques, desta vez não de caráter terrorista, pessoas nas ruas não são atingidas por carros bombas, nem ônibus estão sendo esvaziados para serem queimados logo após, pelo menos até a elaboração deste texto. Desta vez a organização criminosa ataca diretamente o Estado diante o qual vê como uma ameaça à sua existência e não ataca prédios ou outros bens estatais, ataca diretamente a Segurança Pública, assassinando seus agentes, mostrando à população e ao Governo que é capaz de retaliar e infligir duros golpes; o PCC não pretende ganhar uma guerra contra o Estado, não pretende derrubar o regime e instalar um novo; a sua vitória é justamente atingir o Estado e continuar vivo e operante.

Uma resposta policial armada, por melhor que seja, nunca será definitiva. Serve para contagem de corpos, algo como dizer: “Mataram dois dos nossos, matamos dez deles”; serve também de propaganda para o público comum que recebe estas notícias e pensa estar seguro porque a polícia está matando os criminosos. É um embate que a força policial usando homens e armas não pode sair vencedora, pois:

Suas ações tem que correr dentro dos parâmetros da lei – por isso, execuções serão sempre julgadas e repudiadas, a polícia simplesmente não pode e não deve sair matando.

Contagem de corpos não interfere no efetivo do crime, que devido aos problemas socioeconômico e culturais de nosso povo, conta com um número de voluntários muito grande, enquanto um policial custa um tempo considerável para ser formado...

O uso de armamento melhor também não resolve, embora seja necessário – Este armamento requer primeiro que seja comprado legalmente, depois de vencer uma licitação vem um período de treinamento e este armamento melhor não seria para toda a corporação e sim para grupos especiais; a maior parte do efetivo ficaria com as armas usuais e é justamente esta parte do efetivo que está sendo alvejada. O crime não precisa de licitação, precisa apenas de dinheiro e de um vendedor, além de alguém com experiência militar para dar um treinamento básico e outro mais complexo para as operações mais elaboradas; não é difícil ver pela televisão, jovens portando fuzis pelos morros do Rio de Janeiro; em São Paulo parece que o crime é mais discreto, até mesmo porque vivem em áreas de topografia diferentes

O crime não age dentro das leis, não há tribunais ou comissões e organizações internacionais ameaçando-os com cortes de verbas ou outra retaliações internacionais; o crime também não declara uma guerra aberta, simplesmente, como guerrilheiros, atacam e somem para um novo ataque.

Outra coisa interessante neste embate: o Governo nunca irá admitir estar sob ataque; pode admitir que existem ações criminosas ocorrendo, mas nada que a Polícia não esteja preparada para responder ou que já esteja respondendo. Admitir que esta sendo atacado é, para o governo, admitir que perdeu o controle da Segurança Pública, o que levaria parte da população se armar para defesa e a partir daí vivermos um caos. Ressalto que eu não sou contra o porte legal de arma pelo cidadão comum, acredito que um cidadão tenha o direito de portar uma arma legalmente comprada e que tenha obrigatoriamente freqüentado um curso de tiro, acredito mesmo que, assim como uma pessoa passa por uma perícia médica para obter uma licença para dirigir, uma pessoa deva passar por uma perícia psicológica/psiquiátrica para obter uma arma.

Conclusão até este ponto. Partindo do pressuposto que realmente seja o PCC que está por trás destes ataques a policiais, temos que ter em mente que não é a ação de criminosos que se reúnem de tempos em tempos para a prática de um crime; nem a ação de criminosos que usam do crime para completar renda familiar ou para formar esta renda; não se trata também de um grupo extremista que seja contra o governo constituído e nem é uma célula terrorista em uma jornada religiosa ou idealista, embora o PCC use de características destes dois últimos, mas é a ação de uma organização profissional do crime, atacando ou retaliando ações do governo que ameacem sua existência; não é uma guerra declarada, é um estado de conflito entre duas organizações que se auto-excluem e impossíveis de uma convivência pacífica dentro de uma sociedade legalmente constituída. Estes ataques ordenados exclusivos, até o momento, a policiais e a parentes de policiais, deixando o cidadão comum com medo, mas não o atingindo diretamente, representa um refinamento na filosofia desta organização, o que não a torna em organização beneficente. O embate armado, além de contagem de corpos, serve para aplacar sentimento de vingança e de propaganda, mas não vai resolver o problema, pois este não é a água no chão, que se recolheria com um pano e um balde, mas a torneira aberta com um fluxo de água constante.